— parte quatro
Fim de tarde chegando e com ela a missão de cruzar a cidade para chegar em aeroporto e rodoviária a tempo. Elegemos o painel entre Luíza Trajano (Magazine Luiza), Roberto Marinho Neto (Globo Ventures) e Gabriel Braga (Quinto Andar) como o último antes de partir. Foi legal.
Luíza, uma das mulheres mais poderosas do Brasil, dotada de seu status de bilionária-humilde e de sua idade mais avançada, aproveitou para quebrar uns protocolos e a monotonia das palestras. Deu uma zoada no herdeiro da Globo que fez o auditório todo rir. Ainda gerou algumas reflexões ao contar sobre os maiores momentos de crise se darem em épocas de crescimento de sua varejista. Coisas de quem está no jogo de alto nível há décadas.
Cinco da tarde
Hora de partir. O voo da Bela saía do Santos Dumont às 21h30. Eu pegava um busão para SP na rodoviária às 23h30. Buscamos nossas malas na chapelaria, saboreando a ingenuidade de achar que estava cedo o suficiente para pegar um uber em paz na saída do evento. Quando fui olhar o preço: R$185. Pior que isso: não tinha carros disponíveis. Meia hora de espera garantida.
Com base nas experiências passadas, sabíamos que o gargalo estava ali, na saída do evento. Sabíamos também que a melhor forma de sair da confusão era de carona. Mas não tinha como ligar para Daniel de novo. Era muito abuso.
Eis que vem a ideia: vamos para a saída do estacionamento pedir carona. Sim, como hippies na beira da estrada. Se todo mundo dentro do evento é super gente boa, porque não seriam na saída dele?
Socialmente falando, a probabilidade da Bela conseguir uma carona é pelo menos 10x maior que eu achar uma boa alma. Foi ela então esticar o dedo perante as dezenas de veículos que se acumulavam na reta final do estacionamento.
Não tardou mais que três minutos para surgir uma boa alma. Guilherme era o nome dele. Uns cinquenta de idade. Carioca gente boa.
— Para onde vocês estão indo?
— Qualquer lugar! — eu respondi. — Só precisamos sair daqui.
— Estou indo para Curicica!
— Eita.
— Brincadeira, estou indo para a Barra. Subam aí!
Guardamos as malas no bagageiro e embarcamos no carro de um completo desconhecido para fugir daquela confusão. Era a quarta carona em dois dias de evento.
O papo fluiu.
Passadas as apresentações iniciais, o assunto foi embora contando com a boa vontade de todas as partes envolvidas. Guilherme descobriu que Bela estava no Rio pela primeira vez e fez questão de assumir o papel de guia turístico. Foi contando histórias sobre a formação da Barra, as Olimpíadas e o Palace II.
Já havíamos avançado bastante na Av. das Américas quando ele faz uma proposta inusitada:
— Sabem de uma coisa? Acho que vou aproveitar que vocês estão aqui e vou esticar até o Leblon. Tenho umas coisas para resolver por lá.
— Uau, essa é uma mudança de planos radical. Por favor, não queremos que você se incomode. Já nos ajudou demais nos trazendo até aqui.
— Que nada. Tenho que buscar umas coisas na casa de uma tia e vou aproveitar que a conversa está boa para ir até lá.
— Poxa, muito obrigado! Para nós será um prazer.
E assim seguimos rumo à zona sul, falando sobre a Rocinha, sua proximidade com São Conrado e todas as loucuras sociais de Rio de Janeiro, que os cariocas acham super normal.
Chegando no Leblon
Ele encostou o carro numa esquina qualquer e disse que podíamos descer ali. Agradecemos um monte pela carona e eu pedi seu telefone para eventuais contatos futuros. Uma despedida terna e cada um seguiu o seu caminho. Era pouco mais de 18h e dali pra frente a missão estava super fácil. Pretexto perfeito para entrar no boteco da esquina e pedir um pastel de camarão.
Sabe quando você se pega em estado de graça? Era assim que estávamos! Tomando um chopp no Leblon em plena terça-feira, depois de ter ganhado a carona do século, realizados pelas tantas conversas com gente querida que tivemos ao longo do dia. Aquele sentimento de felicidade sincera no ar!
Eis que, uma meia hora já havia se passado desde que estávamos no bar, o meu telefone toca. Enquanto eu atendia a ligação, vejo a Bela mudando radicalmente sua expressão facial. Começa a revirar sua bolsa. Vai para a mala de mão. E eu assistindo a cena, começo a me preocupar.
Assim que eu desligo o telefone, vem a notícia:
— Perdi o meu celular.
— Não é possível.
— Já procurei em tudo.
— Qual foi a última vez que você mexeu nele?
— No carro do Guilherme.
O que era felicidade há poucos minutos, foi se transformando numa coisa amarga, densa, um coquetel de sentimentos ruins. Por sorte eu tinha salvo o contato dele no meu telefone e a Bela foi ligar para ele, para ver se estava no carro mesmo.
— Torça para essa tia do Leblon realmente existir — eu disse.
Assim que ela desliga o telefone, com aquela cara de remorso, vem as confirmações: i) o celular estava no banco de trás; ii) não existia tia alguma, ele já estava chegando na Barra de novo.
Pense numa injeção de mercúrio sendo aplicada em suas veias. Cada um dos seus vasos sanguíneos sendo obstruído ao mesmo tempo. Um gosto metálico na boca. O coração acelerado.
Estávamos cometendo, naquele momento, um atentado contra a bondade humana. Estávamos gerando raiva e arrependimento no cidadão que havia dado uma volta ao mundo apenas para nos ajudar. Que sensação horrível.
Já não havia mais tanto tempo assim
Pegar um uber até a Barra para buscar o telefone era inviável. A única chance de pegar o voo era se ele voltasse ao Leblon para nos entregar o celular. Foi o que ele fez.
Mais uns 40 minutos e ele liga falando que estava chegando. Bela levanta para encontrá-lo na calçada e volta logo depois com os dois telefones na mão — o meu e o dela.
— Sabe nos filmes, quando alguém vai fazer uma entrega ilegal, que mal para o carro e só joga o objeto pela janela? Foi tipo isso.
Que tristeza.
Pagamos a conta cabisbaixos e seguimos nossa rota. Cada um para o seu destino. O pensamento de ambos em Guilherme.
— parte cinco
Dias depois, quando finalmente nos encontramos em Floripa novamente, já passava da hora de tomar uma atitude sobre o ocorrido. Escrevemos uma mensagem recheada de desculpas e pedimos seu endereço para enviar algum amuleto que o fizesse esquecer do engodo passado.
Ele mandou o endereço. Enviamos um arranjo com flores, queijos e cervejas. Não tivemos mais notícias suas desde então.
FIM
recadito
Esse vai especialmente para todos aquele que habitam a nossa comunidade: estamos passando por reformas! Na verdade, talvez haja uma revolução. A única certeza é que mudanças são necessárias e na semana que vem traremos novidades por aqui sobre o nosso novo formato.
Um forte abraço,
Victor Sanacato