atentados honestos contra a bondade humana
— parte um
Sete e meia da manhã. Céu azul, dia cheio pela frente. Pão com ovo na padaria da esquina. “Um pingado bem escuro, por favor”. Um banho e a roupa pra sair. Tudo pronto. Na verdade, quase tudo. Faltava uma água pra beber. Passei no restaurante do hotel para comprar umas garrafas. Promoção: 3 por R$20. Enchi as térmicas com uma delas, a da Bela e a minha. As outras duas, precisava guardar no quarto. Subi de novo.
Quando finalmente desci em definitivo, já batia umas vinte para as nove no relógio. Hora de partir. Tinha sido barrado no dia anterior e estava naquele misto de ressentimento e tesão pelo que estava por vir. Chamei o uber. Quarenta reais. Faltando cinco minutos para chegar, uma voz do além:
— Vocês estão indo para o Web Summit?
— Sim — respondeu a Bela.
— Vocês querem uma carona?
— Poxa, aceitamos sim.
— Venham! Nosso carro está no subsolo.
Descemos. Lá havia um HB20, apertado numa vaga, à nossa espera. Daniel e Marina. Paulistanos clássicos. Extremamente educados e gentis. Fomos conversando sobre trabalhos, palestras e o trânsito no Rio. Principalmente sobre o trânsito no Rio.
Quanto Daniel contou o que fazia, aproveitei para pedir seu LinkedIn. Havia recém entrado num projeto que tinha a ousada missão de exterminar a fome no Brasil até 2030. Gerente de produtos. Achei do caralho. Ao invés do LinkedIn, me ofereceu um QR code, daqueles com todos os seus contatos. Salvei.
Chegamos no evento. Agradecemos a carona, nos despedimos cordialmente e seguimos nossos caminhos, independentes. Estávamos nitidamente felizes pela surpresa da manhã.
— parte dois
Evento cheio no Rio de Janeiro é sinônimo daquela confusão com cara de Brasil. Embora os organizadores fossem gringos e as palestras em inglês, nosso espírito imperava no recinto. Era o mínimo. Uma rápida volta inicial para reconhecer o território e já encontramos os primeiros conhecidos. Tiramos as primeiras fotos. Postamos os primeiros stories. Bateria social em jogo. Valendo! É para isso que viemos até aqui, no fim das contas.
Fomos até o palco principal assistir ao Kondzilla. Funkeiro e favelado. Preto e milionário. Falando para uma platéia predominantemente branca e de classe média. Foi legal. Falou sobre usar um celular para gravar suas produções internacionalmente famosas. É uma forma de compatibilizar a produção com o equipamento que a maioria das pessoas vai usar para ouvir a música depois. Empatia na prática. Aquele lembrete que não precisamos de mais nada para construir algo de valor. Basta usar o que temos.
No almoço, mais uma confusão. Mais alguns conhecidos — uns mais importantes, outros menos. Mais algumas fotos. Mais algumas filas. Alguns desconhecidos.
— Oi! Eu leio a sua newsletter!
— Que lega! Por que você lê?
— Acho divertida e sempre aprendo alguma coisa nova.
— Fico feliz. É mais ou menos isso que tento fazer mesmo. Obrigado.
— Foi um prazer te conhecer! Tchau!
— Tchau.
A programação da tarde nos guardava um vasto repertório de coisas repetidas: cultura de inovação, marketing B2B, CVC, CVB, tendências globais, criatividade como vantagem para o seu negócio, organizações do futuro e por aí vai. Tudo posto de forma extremamente não-inovadora. Palestras curtas e rasas. Palestrantes tentando emplacar aquela frase lacradora. Plateias afoitas, aguardando pelo próximo grande insight.
Na hora de ir embora, fome. Paramos para pegar um açaí, pois ir até a Barra de barriga vazia estava fora de cogitação. Mais uma fila. Quarenta reais. Quando finalmente saímos fui chamar o uber. Cento e cinco reais, pelo mesmo trajeto que, pela manhã, custava quarenta, assim como o açaí. Que merda. Já são quase sete da noite.
Começamos a buscar alternativas. Bela liga para uma amiga que estava no evento em busca de informações sobre um possível ônibus fretado. Eu fico olhando, meio incrédulo, para o nada. Vem a inspiração: Daniel!
Verifico em meu celular se o contato estava realmente salvo. Acho seu número. Sem tempo para whatsapp, irmão. Ligo de uma vez:
— Daniel?
— Victor?
— Vocês já foram embora?
— Estamos entrando no carro. Achei que vocês já tinham ido.
— Rola mais uma carona?
— Rola. Mas não estamos indo para o hotel. Vamos sair para jantar.
— Não tem problema. Pode nos deixar em qualquer lugar na Barra que está resolvido.
— Beleza. Encontra com a gente aqui no carro.
— Chego aí em 3 minutos.
Puxo a Bela e saímos correndo. É a segunda carona do dia. Felicidade ainda maior.
Continua na semana que vem.
Ou não.Um abraço,
Victor Sanacato