eu sei o que vocês fizeram na semana passada
Um aprofundamento meio polêmico (e necessário) sobre o ‘espírito de dono’
Prezados tansos,
O que estamos construindo aqui é um movimento real, feito de carne e osso, com pessoas de verdade falando o que pensam e sentem.
Semana passada eu expus uma situação bem particular de uma amiga. Ela deu a sua resposta. Seguimos sem identificá-la por razões óbvias. Mas leia até o final e terás algumas pistas.
Com vocês, a ‘menina dos stories’!
Vez ou outra
gosto de botar a boca no trombone limitado da rede social que tem stories. Gosto de compartilhar questões variadas, inclusive assuntos que pouco falamos abertamente. Dessa vez, vi meu stories e ir além e fui atravessada pela tanso letter “espirito de dono é o caralho”.
Pois bem, caro tansos…eu sou a ‘menina dos stories’ da semana passada. Dentre as diversas questões abordadas no meu longo banco de horas da terapia, conseguir colocar ideias em texto e compartilhar com alguém está no meio delas. Por isso, é um prazer e uma conquista conseguir falar com vocês hoje!
Sou uma mulher branca, classe média, tenho 30 anos, engenheira apaixonada por fotografia e comportamento humano, e atualmente sou gerente em uma startup.
Confesso que sempre fui daquele time de engajados, que acredita que tudo é possível e adora tomar frente de iniciativas, carregar bandeiras, etc. Porém, desde quando iniciei minha jornada no mundo corporativo, no começo de 2016, percebi que algumas bandeiras são pesadas demais para carregar sozinha e que existem desconfortos que transcendem a minha existência.
Tudo começou depois de adquirir consciência de classe: entender quem detém poder de fato, que faço parte da classe trabalhadora, que é impossível existir meritocracia real quando se vive em situação de extrema desigualdade social, etc etc etc.
A partir daí, comecei a observar com cuidado qual era a minha relação com o trabalho: quais eram os reais combinados, o que faço porque faltam pessoas no time para fazer, o que faço porque sei que é a cereja do bolo, etc.
E pensando nessas ‘cerejas de bolo’ e nas tantas coisas executadas ‘além da expectativa’, caí no lugar de me questionar qual era a motivação de fazê-las e foi nesse lugar que me deparei com a minha versão de 13 anos, que desde então foi muito responsável, comprometida, sempre gostou de fazer as coisas acontecerem e de fazê-las bem feitas (a ponto até de me sabotar em determinado nível, haja terapia).
Quando é assim, é natural do operar no modo ‘capacidade máxima’ em praticamente tudo que você realmente se dispõe a fazer e até se esquecer de que é assim que você opera. Foi aí que eu entendi que isso independe de qualquer ambiente profissional… isso é uma escolha de como se colocar para a vida, de como trilhar os caminhos de quaisquer áreas da vida.
Isso é atitude de dono, accountability, ou sei lá qual o melhor nome! (lembrando que: em determinados contextos sociais, manter atitude de dono é difícil, o sistema te oprime).
Quando a gente pensa e ouve por aí, no contexto de alguns ambientes corporativos, é possível adicionar algumas outras definições para o conceito ‘espírito de dono’: é preciso estar disposto a assumir responsabilidade por entregar resultados agressivos, muitas vezes com pouco ou quase nenhum recurso para isso.
É preciso também aceitar múltiplos escopos e funções, entregar tudo com qualidade acima do esperado e ainda arrumar um tempinho para se desafiar. Afinal de contas, ninguém é promovido sem antes sentar na cadeira, né? E é claro que, para dar conta de tudo, a jornada de 8 horas por dia passa a ser 10h,12h ou até mais. Sem hora extra remunerada, sem reconhecimento. É claro que “vai dar pau”.
E como a gente resolve?
É fato que a gente escolhe onde quer estar, sim. (essa frase carrega um privilégio tão grande, tem muita pauta nesse contexto). Mas existem alguns pontos que estão muito acima do que a gente escolhe, às vezes não da mesmo para escolher, às vezes a escolha é feita só que demora até que a rota de fato mude e esses fatores, em determinados recortes, continuam existindo.
1) EU QUERO DINHEIRO SIM!
Para começo de conversa, remuneração. Desculpa, gente. Ninguém é funcionário de fulano porque acha legal. Essa é uma pauta extremamente profunda e complexa, dado que envolve toda a visão e valores do sistema capitalista que vivemos, desenhado por definição para ser desigual. Se temos que jogar o jogo, é preciso existir um equilíbrio melhor do que é cobrado e do que é oferecido.
2) QUIET OQ?
Precisamos falar sobre ‘quiet quitting’ e, como líderes, normalizarmos e respeitarmos as escolhas de vida e carreira de cada um. Ressalto que ‘quiet quitting’ não sugere que você seja irresponsável, que deixe pratos cair, que faça as coisas de qualquer jeito. Acho que todo mundo já sabe o que é mas se não, aqui tem um breve resumo do movimento.
Sugere apenas fazer o que foi combinado. Nem todo mundo que subir todos os degraus corporativos e arcar com o que vem junto. A minha melhor liderada, que empreendeu na faculdade e sempre fez entregas incríveis, já subiu duas vezes e desistiu. Está, inclusive, saindo da empresa para arrumar dar um passo para trás e se dedicar para criar seu ateliê de cerâmica.
Não é sobre negligenciar seu trabalho tradicional, é só sobre encarar essa relação de outra forma. É entender que essa relação abusiva vem adoecendo pessoas, conforme já foi reconhecido pela OMS: tenho certeza que você conhece alguém que já teve um burnout!
E nós, líderes, como lidamos com isso? O fato de não querer crescer e se colocar em novos desafios, na sua perspectiva, coloca seu liderado ‘abaixo da expectativa’? Mais um ponto complexo, dado desdobramentos de novas ideologias nas ações, que exige muita descoberta, reflexão, debate e realinhamento de valores em diversas camadas, dos investidores até as altas, médias e baixas lideranças.
Aproveito para compartilhar esses dois episódios:
[Braincast - Antiwork e Quiet Quitting: a geração Z não quer trabalhar?]
[Mamilos - Tempos modernos - Ep 4.: Quiet quitting]
3) E ESSA TECNOLOGIA AÍ, VAI PÁ ONDE?
A galera indo morar em Marte, tecnologia de sinais e AI absurda……e a gente trabalhando 9h por dia, 5x por semana, em alguns casos presencialmente.
Como que utilizamos ainda mais as tecnologias a nosso favor, para repensarmos a nossa carga horária e termos mais tempo para fazermos escolhas que não tenham correlação com o trabalho?
A gente sabe que é possível e já falamos por aqui! Inclusive, depois de 6 meses de teste de jornada de 4 dias em 61 empresas do Reino Unido (quase 3k de trabalhadores), 92% optou por manter a política, dado os resultados de produtividade e bem-estar relatado pelos funcionários. Todos os detalhes estão aqui — ou na fonte original.
4) A GENTE PRECISA CONVERSAR
Não existe real transformação sem muito trocar, você bem sabe. Existe sim uma tendência de mudança na forma como nos relacionamos com a vida, com o nosso corpo, nossa saúde, nosso trabalho.
A busca pelo equilíbrio, pelo pertencer, pelo propósito, pelo realizar sonhos. Isso precisa mesmo estar atrelado necessariamente àquele trabalho tradicional que só existe na rotina daquela pessoa porque ela precisa pagar contas?
E para os viciadinhos em recompensas, existe espaço para equilibrar melhor a vida e não se esquecer de se dedicar a outras esferas da sua existência para além daquele emprego legal na startup?
É possível juntar esses e muitos outros pontos e desdobrar em conversas, culturas e ações corporativas mais humanas e aderentes às novas tendências de comportamento que vem se desenhando?
Tem caminho pela frente…
É possível sair do jogo, sim. Mas, uma coisa é fato, sair do jogo não anula o fato de que as regras precisam ser revistas urgentemente.
E que a gente jamais se esqueça de que nossa atitude de dono é só nossa, sorte de quem cruza nosso caminho!
Um abraço em vocês!
A menina do stories.
Ps: Para quem faz parte do grupo do tanso no wpp e quiser trocar, me chama! 😀”