Bom dia, tanso.
Voltamos com nossa programação romântica. Pegue um café e aproveite a companhia de Naomi.
Assim que chegou à Europa
Naomi sentiu que estava no auge de sua vida. Sentia- se livre, independente, bem sucedida. Trazia consigo toda a transformação obtida na personalidade com os anos vividos ao lado de Ciro e tinha a oportunidade de operar em modo solo pela primeira vez, com as habilidades sociais adquiridas com ele, sem se preocupar com os problemas do parceiro ou com a culpa de uma traição. Sua confiança estava altíssima e o momento não poderia ser mais oportuno para sair à caça.
Meu amigo, aprenda uma coisa importante: mulher, quando sai de casa sabendo o que quer, vai pra cama do primeiro que desperta o tesão dela na rua. É de uma eficiência muito maior que qualquer homem galinha é capaz de alcançar. Fica a dica.
Pois bem, assim saiu Naomi. Flertando com quem lhe desse na telha, dentro do metrô ou na fila do pão, não tardou a encontrar um sujeito que se adequasse bem ao seu perfil de interesse. Gilles era o nome dele. Alguns anos mais velho que ela, jornalista bem sucedido, privilégios de europeu. Vida resolvida. O melhor passatempo que ela poderia ter encontrado.
Passou quatro meses saindo com ele,
dormindo com ele, passeando com ele, sem compromisso, só pela diversão. Companhia agradável, Gilles raramente dava uma bola fora. Era culto, tinha excelente gosto musical e conhecia vários lugares interessantes — daqueles que só quem nasceu e cresceu por ali é capaz de conhecer.
Mostrou dezenas deles a Naomi e fez questão que ela conhecesse sua família, para que pudessem passar um fim de semana de cinema no sítio de seus pais, em Kaysersberg, à beira de um lago cercado de cerejeiras. Era a materialização de um sonho que ela jamais imaginara ter acesso um dia. Estava apaixonada novamente.
Profissionalmente, o grande interesse de Naomi com a temporada europeia era cativar uma vaga definitiva para seguir trabalhando no velho mundo e não ter que voltar para casa, mas uma crise repentina no mercado fez com que seus planos não fossem atendidos.
Faltando um mês para o encerramento do contrato, ela recebeu o comunicado de que teria de voltar a Buenos Aires e seguir a sua vidinha de sempre. Voltou para seu flat arrasada e chorou muito pela frustração.
Esse é aquele momento vulnerável na história, em que eu poderia introduzir qualquer lenda para dar um toque dramático ao desfecho de Naomi, e fazer com que a sua leitura tenha valido a pena, mas não será preciso.
Se a decepção no trabalho fez com que Naomi perdesse uma de suas sete vidas, o e-mail de Ciro que ela recebeu na mesma noite a fez perder mais umas quatro. Foi uma punhalada nas costas. No bom sentido.
Ciro havia se levantado.
Aproveitou o fundo do poço alcançado com a partida de Naomi para fazer uma reforma geral em sua vida. Mudou de apartamento e de corte de cabelo. Terminou o livro que vinha procrastinando há dois anos e entregou à editora. Lançou o título no mercado e bombou na internet com suas crônicas que até outro dia eram o maior sinal de seu fracasso.
Viveu aquela sensação incrível de revolução interna, como alguém que sai de uma caverna após meses e vê a luz do dia. Deu entrevistas na TV, sentiu-se ótimo, invencível. E se lembrou de quem mais havia lhe inspirado na vida. Após uma tarde de autógrafos no Café Tortoni, chegou em casa e se declarou a Naomi com o peito aberto.
Escreveu com a alma nas pontas dos dedos por uma hora e meia e enviou o e-mail em tempo hábil para leitura no mesmo dia, respeitando o fuso-horário.
Naomi leu o e-mail e chorou umas dezoito vezes mais do que já teria chorado até então, em função da descontinuidade do trabalho internacional. Foi o caos na Terra. Sua cabeça dava piruetas, seu coração palpitava mais que ponteiro de martelete.
Encheu um copo de whisky e acendeu um cigarro para ver se conseguia dar uma enganada no corpo e na mente com umas droguinhas de baixo impacto, sem comprometer o dia seguinte. De nada adiantou. Passou a noite em claro pensando nas voltas que a vida dá e só foi conseguir pegar no sono pra mais de 4h da manhã.
Você já deve estar achando que isso é um pote de marmelada, recheada com altas doses de clichê, porque é muito fácil ela voltar pra Buenos Aires correndo pros braços do Ciro depois de ter seus planos frustrados, ver que ele deu uma guinada na vida e assim seria mais fácil aceitar a realidade de volta depois de ter estado tão perto do sonho da sua vida e bla bla bla, mas não vai ser tão simples assim. Eu acho. Lembra do Gilles? Pois é.
continua no próximo domingo…
Um abraço,
Victor Sanacato