Bom dia, tanso.
Escrevi este texto fictício em março de 2019. Achei perdido aqui no computador um dia desses e resolvi compartilhar para te distrair neste domingo de carnaval. Espero que você goste.
Reza a lenda
que só é possível se apaixonar três vezes ao longo de uma vida. O status de lenda é legal porque carece de fundamento histórico ou argumento lógico para se comprovar, e essa é exatamente a graça dela, não ser nada confiável.
É mais ou menos como a história do gato ter sete vidas. Eu nunca tive um pra ver se funciona mesmo; tampouco vivi uma vida inteira pra saber se eu me limito a três amores. Só sei que é isso que reza a lenda.
Naomi não prestava a menor atenção em lendas.
Era retilínea, determinada. Acreditava ser capaz de aprender qualquer coisa no mundo e alcançar qualquer objetivo que julgasse digno de seu esforço.
Conheceu Ciro ainda na faculdade, já bastante bêbada numa festa do La Calle e morreu de amores na primeira noite. Nunca teve a oportunidade de lidar com sujeito tão apaixonado com a vida até então.
Sempre buscou semelhantes, que pensassem de forma objetiva como ela própria, e por isso deixou de aproveitar os pequenos momentos, enxergar as pequenas belezas.
Ciro era um romântico inveterado, capaz de parafrasear um de seus poetas favoritos a qualquer momento, mesmo diante das situações mais inoportunas. E ela se encantou com tamanha pureza apresentada pelo rapaz.
Eu não deveria comentar a história no meio do caminho, mas confesso não ter botado fé no romance dos dois num primeiro momento.
Na minha cabeça ela rapidamente se cansaria daquela coisa melosa que ele trazia consigo e tomaria outro rumo na vida, mas eu me enganei.
Não sei se o sexo contribuiu com esse processo de uma forma mais incisiva, mas fato é que se passaram cinco anos desde o dia que se cruzaram pela primeira vez e ambos já tinham mudado muito com o relacionamento.
É curioso quando um casal
é visivelmente diferente entre si. Aquele desvio padrão que cada um tem de enfrentar para chegar à média é tão desafiador que as pessoas mudam de verdade. É preciso transmutar para permanecer ao lado do outro. E eu fiquei impressionado com a mudança de Naomi.
Ela passou a ser uma mulher mais afável, mais humana. Parece que o lado direito do cérebro dela esteve adormecido por toda sua vida até encontrar Ciro e se entregar a ele de verdade.
Ele despertou nela uma sensibilidade inédita e ela teve toda a inteligência do mundo de enxergar e aproveitar isso.
Sua carreira voou, suas habilidades sociais começaram a se destacar e até a sua forma de se expressar melhorou em todos os sentidos, da escrita ao tom de voz. Impressionante ver o resultado de uma parceria bem sucedida.
Igualmente impressionante
é ver como as reações de cada um podem ser diferentes dentro de um relacionamento. Enquanto Naomi se encontrou no mundo, Ciro foi se encolhendo. De alguma forma ele ainda se incomodava com o raciocínio objetivo de sua companheira e fez disso um bloqueio que o dominou.
Com uma ideologia um tanto quanto utópica de esquerda e um código moral muito rígido, ele acabou se distanciando de sua amada por motivos profissionais. Discordava da sua aptidão para o meio corporativo, achava que isso era coisa de burguês.
Enquanto isso passava o dia se amargando entre crônicas políticas e poemas de amor que ninguém lia. Dia após dia foi se tornando um fracasso na vida e nutrindo um abismo entre ele e sua amada.
Reza a lenda que a primeira grande crise do casal chega aos sete anos de relacionamento. E aqui vai uma prova de que não podemos confiar nas lendas, pois a crise dos dois veio aos cinco.
Uma proposta para um trabalho temporário na Europa foi o estopim para o término do namoro que já se mostrava maduro suficiente para o próximo passo.
Ela o convidou para ir junto; ele se recusou a sequer pensar na proposta. Ela disse que iria de qualquer jeito; ele disse que se ela fosse não precisava mais falar com ele.
E, assim, aquele caminho único traçado a dois se converteu em dois caminhos distintos traçados a um cada. Lá se ia a primeira paixão de Naomi.
continua no próximo domingo…
Um ótimo carnaval a todos.
Bebam água.
Um abraço,
Victor Sanacato