Era dezembro de 2014, eu morava no Rio de Janeiro e trabalhava numa das maiores obras do país à época: o Porto Maravilha, que revitalizou a região portuária da capital fluminense. Quem tocava a obra era um consórcio formado por três grandes empresas de engenharia, daquelas famosas que caíram na Lava-Jato pouco tempo depois. Como era de se imaginar, havia muita grana em jogo e os caminhos para gastá-la eram múltiplos.

Um belo dia, no escritório, bate um e-mail na caixa de entrada com um convite para a festa de fim de ano do consórcio. Convite bacana com uma informação curiosa, o endereço: a festa seria no Museu Histórico Nacional — não aquele que pegou fogo em 2018, o outro, ali, perto do Aeroporto Santos Dumont. Pelos corredores do canteiro diziam que era importante ir bem vestido, pois era festa de bacana.
Saí um pouco mais cedo que de costume da obra naquele dia, para dar tempo de passar em casa e tomar um banho; parti pra festa com a única camisa social limpa disponível no armário e uma fome daquelas. Chegando lá, que coisa mais linda! O museu, que já era bonito por si só, estava todo decorado para a festa; aquelas palmeiras imponentes da entrada iluminadas e todo mundo fingindo normalidade com a ocasião.
Enquanto as pessoas iam formando os mesmos grupos que já conviviam juntos durante o ano todo, eu dividia a minha atenção entre os garçons que traziam comida e as peças do museu que ocupavam o salão. Charretes, estátuas, canhões, placas e painéis dividiam espaço com engenheiros, arquitetos, gerentes e diretores daquele projeto bilionário — uma verdadeira salada histórico-corporativa.
Eu já acalmava os ânimos do apetite entre um canapé e outro quando, de repente, acendem as luzes do palco. A uma distância de dez metros de mim começava um show do Casuarina, um grupo de samba carioca que eu adorava. Que felicidade! Entre um aperto de mãos aqui e um tapinha nas costas acolá para fazer o social, a noite estava perfeita. No alto dos meus 24 anos, nas profundezas do meu subconsciente uma mensagem dizia: "é isso aí Victor, mantenha a pose, fique tranquilo, vai dar tudo certo".
A virada de jogo
Eis que, lá pelas dez da noite, todo mundo já tinha tomado algumas cervejas — quiçá alguns drinks —, eu olho para o centro da pista de dança e vejo lá o meu gerente pulando com um copo de whisky na mão. Acredite: ele não fazia muito o perfil festeiro no dia a dia, estava mais para general. No auge da minha meninice, entendi aquele gesto como um passe livre. Como se ele dissesse em alto em bom tom: "está liberado! agora todos vocês podem encher a cara que serão sumariamente perdoados".
Foi exatamente o que eu fiz. Parece que virou uma chavinha na minha cabeça e eu comecei a beber como se não estivesse cercado de todas as pessoas que habitavam o meu ambiente de trabalho ou, simplesmente, como se não houvesse amanhã mesmo — literalmente, pois a festa foi numa quinta-feira e na sexta eu trabalharia normalmente, risos. Daí pra frente a história fica meio turva, pois eu não lembro de muita coisa.
Foi feio.

Eu reconstruí os meus passos (tortos) ao longo da festa através de depoimentos terceiros. Reza a lenda que eu falei coisas indevidas, cheguei na secretária de um chefão do cliente e entrei aleatoriamente num ônibus que estava parado ao lado do museu, mas que nada tinha a ver com a história. Ah, ainda rolou de eu sair do táxi e ir caminhando na direção oposta à minha casa — alguma alma caridosa me colocou no caminho certo, literalmente. risos.
No dia seguinte..
Acordei com o celular tocando desesperadamente ao lado da minha cabeça. Era Gabriel, afoito, dizendo que estava chegando na minha casa para me buscar ou pegar uma mochila que tinha ficado comigo, alguma coisa assim. À medida que fui retomando a consciência, comecei a interpretar os sinais e entendi a ansiedade do meu amigo ao telefone: eram dez e meia da manhã. Algumas mensagens e ligações perdidas do meu chefe ilustravam a tela inicial do celular. Uma grande e nojenta poça de vômito ocupava o chão do meu quarto e exalava aquele azedume. Cara, que caos. Que sentimento ruim. Um misto de culpa, com vergonha, remorso, arrependimento e todas aquelas coisas que a gente sente quando sabe que fez uma merda grande na vida.
Bom, o fim da história foi que eu saí correndo para limpar aquela meleca, tomei um banho gelado e me vesti, tudo isso em vinte ou trinta minutos, para ir correndo para a obra. Meu olho não abria nem por reza brava, o que me fez passar o dia todo de óculos escuros, mesmo durante o almoço com o cliente — sim, teve almoço com o cliente naquele dia ainda, puta que pariu! E com essa aventura toda eu entendi o óbvio, que pode não ser tão óbvio assim, de acordo com as circunstâncias.
Festa de fim de ano, happy hour, almoço fora, aniversário do filho do chefe, qualquer evento social que se tenha com pessoas do trabalho, é e para sempre será TRABALHO. Não importa se a empresa se intitule uma família, se todos da sua área são amigos de verdade ou você é amigo íntimo do dono da firma. Não importa. É um momento de trabalho, travestido de lazer, e você deve se comportar como tal. Para o bem ou para o mal o que acontece ali será levado em conta, direta ou indiretamente, consciente ou inconscientemente, em decisões futuras, queira você ou não.
Felizmente eu não sofri nenhuma consequência direta após aquele episódio — embora tenha sido demitido uns 4 ou 5 meses depois, vai saber —, senão ser zuado por um bocado de gente e ter que mostrar o estado dos meus olhos para o gerente na frente de todo mundo durante o almoço do cliente — que me pediu para tirar os óculos só para ele ver como estava. Mas, para além da história e do aprendizado que tirei desse evento, o maior patrimônio que trago dali foi uma foto que encontrei no meu celular alguns dias depois da festa.
Fim de ano chegando, pandemia acabando. Comporte-se!